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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Em Capiago, num Domingo de Ramos

Há tempos eu tenho pensado sobre a vida e sobre as possibilidades de escolhas que vão determinando nossos caminhos. Somos aquilo que um dia pensamos ser; somos feitos a partir das pequenas escolhas que fazemos a todo o momento. Encontro-me hoje com um sentimento de que deveria ter sido mais determinado em algumas escolhas que fiz, sinto-me culpado por tantas coisas, mas será que ainda tenho tempo para modificá-las? O que nos leva a errar tanto? Por quê? Bom, muitas vezes as perguntas não precisam de respostas, bastam os sinais que Deus vai colocando em nossos caminhos. Hoje, depois de sentir frio, fotografar a primavera e me maravilhar com o Lago di Como, sinto o quanto ainda tenho que melhorar. Sem querer carregar uma culpa que não é minha, ou pior, que é só psicológica, mas sou pecador no sentido mais claro, eu não correspondo plenamente ao amor de Deus em minha vida. Falta tanto para ser aquilo que quero ser. Sei que estou fazendo o caminho, mas ando tão devagar apesar de continuar tendo pressa. E assim, caminhando com passos lentos, sou o que sou. Como diz Monica Salmaso, numa bela canção, que com certeza ouvirei também no céu, “um dia eu senti um desejo profundo de me aventurar neste mundo pra ver onde o mundo vai dar....”. Estou em Capiagoo, fronteira entre a Itália e a Suíça, uma região de altas montanhas, lagos profundos, frio, flores, lua cheia e amigos. Como é bom saber que o mundo é maior do que pensamos, vai muito além das nossas relações, das nossas ruas cotidianas, do nosso pensamento. O mundo vai até onde nosso coração pode alcançá-lo. O mundo vai dentro da gente e é aí que ele se torna infinito. É Domingo de Ramos, e com os ramos de oliveiras nas mãos começamos a Semana da Paixão do Senhor. Participei de uma missa na cidade de Como, numa pequena Igreja com a comunidade filipina. O presidente da celebração, padre Beppe, italiano, rezou a missa em inglês; a homilia, feita pelo padre Dondon, foi em dialeto tagalo, eu com o padre Janusz, polaco, concelebramos. Meu Deus, que maravilha. A minha quaresma foi intensa das diversas possibilidades e escolhas que fiz. Vivi intensamente esse tempo de oração, jejum e esmola. “Convertei-vos e crede no Evangelho”, disse o padre na Quarta-Feira de Cinzas, e aí comecei a minha preparação. Conversão. Como é difícil mudar as pequenas coisas, nos pequenos defeitos. Minha primeira experiência quaresmal foi uma semana numa casa de retiros, na periferia de Roma, com o grupo do curso de formadores da Universidade Salesiana, para uma reflexão sobre coerência de vida, memória e reconciliação com o passado. Somos aquilo que vamos construindo ao longo da vida, mas muitas vezes carregamos tantas coisas mal resolvidas. Eu, pela primeira vez em minha vida, olhei-me para mim mesmo com olhos críticos e amorosos. Descobri-me. Vi onde devo mudar a direção das minhas escolhas, pude ver quanto mal já cometi comigo mesmo e com tantas pessoas e me senti pequeno, frágil e pecador. Mas sempre com esperança. Há se não fosse essa certeza de que Deus nos escolhe como somos e acredita na nossa recuperação, na nossa conversão. Terminei essa semana com uma confissão, profunda, cheia de boas intenções e com vontade de mudar. Como é difícil sair dos condicionamentos que nós mesmos nos metemos. Como o mal vai infiltrando nas pequenas frestas e acabamos nos acostumando com ele. Somos assim mesmo. Quem vai saber? Por que não fazer isso? Só dessa vez... E com isso alimentamos os nossos erros e enfraquecemos as nossas virtudes. Eu tenho a impressão que a todo o momento eu estou me sabotando. Parece que gosto de viver essa aventura de andar no limite entre tolerável e o intolerável. Mas por que isso? Não sei. Só sei que minha quaresma estava só começando.
Um dia, depois dessa primeira experiência da quaresma, tive a alegria de, num belo domingo de sol, entrar num Santuário de São Miguel Arcanjo, na cidade de Santo Ângelo, região da Puglia, sul da Itália. Uma pequena cidade no alto de um monte, de casas brancas, gente curiosa, tendo sob os pés o mar Adriático, azul e calmo. Quando meus olhos estavam se habituando a tamanha beleza, meus pés me levavam para dentro de um santuário medieval, escavado nas rochas e com uma energia tão forte que fui arrebatado para aquele mundo espiritual. A missa foi no meio de uma gruta e tive a certeza de que Deus continua falando com o seu povo. Não estamos sós. Existem lugares sagrados onde a comunicação com Deus acontece de forma mais rápida. Eu não pensava em ir para aquele lugar, minha intenção era conhecer o Santuário de Padre Pio, em San Giovanni Rotondo, mas estava ali. Fruto das minhas escolhas anteriores que determinam até o que não imaginamos viver. Depois sim, deixei um pouco do meu coração naquela gruta, deixei algumas preces, uma missa, um agradecimento, uma promessa de voltar um dia e desci o monte, fui para o Padre Pio. Não sabia muito daquele homem, não me atraia os seus estigmas, as suas visões celestiais, as suas lutas contra o mal; não ficava comovido com a devoção do povo para com aquele frade, mas preparado dentro das entranhas do Monte Ângelo, nasci na capela onde está sepultado o Santo de Pietrelcina. Entrar naquela capela dourada me derrubou. Caiu o meu orgulho, o meu coração racional, o meu preconceito. Realmente Deus continua falando através de homens e mulheres do nosso tempo. Rezei, emocionei-me, cantei, silenciei e vi o céu aqui na terra. “Um novo céu e uma nova terra”, já disse o Apocalipse, eu acredito nisso. Saí dessa experiência e voltei para casa tendo por companhia o sol, que insistia em deixar vermelho e alaranjado tudo o que tocava. Minha quaresma já poderia terminar aqui. Pensei que a Páscoa já poderia chegar com sua ressurreição e vida, mas não. Ainda tinha muito que vivenciar. Viver a Paixão do Senhor é deixar-se apaixonar por Jesus Cristo, pela sua história, pela sua Igreja e pelo povo que ele tanto ama. Viver a Paixão é ter os olhos atentos para os sinais que não param de chegar. Deus é conosco. Vou dormir, preciso me preparar para o dia de amanhã, Segunda-Feira Santa. Guardo meus ramos de oliveira, escuto a noite de Capiago, continuo com frio, mas com o coração cheio de esperança, ainda tenho uma chance. Deus me ama.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Lago di Como, Cruzes, Luzes e Páscoa... (uma parte)

Passei a Semana Santa em Capiago, às margens do Lago di Como, região da Lombardia. Sob os pés dos Alpes pude viver minha 40° Páscoa. É interessante como Deus me preparou esse momento com tanto carinho e com tantos detalhes. Aliás, minha quaresma foi realmente um caminho de reflexão, experiências e encontros. Tive a oportunidade de saber um pouco mais sobre como formamos nossa identidade pessoal e como podemos influir em nossa memória para melhorar o presente e ter uma qualidade melhor de vida. Mais uma vez ouvi que a vida é um dom único e precioso e tive a certeza de o cristianismo se faz com pessoas equilibradas e felizes. Foram quarenta dias onde experimentei a alegria de ser religioso e a dureza de me descobrir pecador. Encontrei pessoas de tantos lugares distantes e aprendi que o respeito é fundamental para que o Reino de Deus aconteça. Também refleti sobre os desafios da nossa Igreja Universal, que tem como base o evangelho de Jesus Cristo, que tem uma multidão de corações sinceros que se doam e que estamos caminhando numa longa estrada onde muitas vezes erramos, mas Deus está sempre conosco. Existem os limites e as vontades condicionadas que nos rebaixam ao pó de onde saímos. A Semana realmente foi Santa e intensa, pude conversar com pessoas que experimentaram profundamente a dor, o medo, a ausência e ao mesmo tempo a fé. Padre Beppe Pierantoni, um dehoniano que foi seqüestrado nas Filipinas e que viveu seis meses sob a pressão de guerrilheiros islâmicos, foi o nosso anfitrião. Daí já se vê a intensidade do meu Tríduo Pascal. Também tive ao meu lado Arlene, que sobreviveu a dois massacres quando era criança, mas, seus pais, que também sobreviveram a essas duas tragédias, não tiveram a mesma sorte num dia em que ela não os acompanhou em uma visita à casa de sua tia, porque precisava ir para escola, e morreram fuzilados dentro de um ônibus. Tinha então nove anos de idade. Hoje, com trinta e cinco, está no mesmo lugar que eu, fazendo o mesmo retiro para daqui a alguns dias se enclausurar num mosteiro de clarissas, na cidade de Pádua. É feliz, falante, sincera e corajosa e ao mesmo tempo meiga. Continua buscando respostas para sua vida mas tem certeza de que Deus é com ela.
Aqui está o Lago, Arlene e também, sempre ao meu lado, os meus dois confrades, Janusz e Dondon. O primeiro é polaco com um coração maior do que todos nós juntos e que fazia de tudo para nos ver felizes e tranqüilos. O segundo é filipino, com um sorriso fácil e companhia agradável. Assim, entre cruzes e luzes, cheguei à Vigília Pascal e vi Cristo Ressuscitado. É verdade, ele ressuscitou como disse....

Lago di Como, Cruzes, Luzes e Páscoa... (outra parte)

Na segunda-feira de Páscoa, dentro do grande dia que se prolonga por oito dias, peguei um trem em Cantú. A estação era tão pequena que caberia muito bem em Parisi, cidade que carrego comigo em todos os cantos do mundo. Na bagagem, as minhas roupas que lavei e não consegui passar, faltou-me habilidade com o ferro-de-passar-roupas e as camisas insistiram em ficar amarrotadas, como que se quisessem fazer um protesto contra o seu dono. Bom, também tinha algumas roupas limpas, outras nem tanto, meu computador, minha máquina fotográfica e alguns livros e postais dos mosaicos de Marko Ivan Rupinik, que deixavam nossa capela de Capiago com ares de paraíso na terra. É claro que carregava comigo muitas recordações daquela Semana Santa vivida tão intensamente. Sentia o friozinho da manhã e recordava das azaléias da Villa Carlotta e das tulipas de Bellagio, sempre banhadas pelas águas azuis do Lago di Como. O trem chegou sem atraso, 07h35, com poucos passageiros, pois o feriado da pasquela estava só começando e poucos se atreviam em deixar a cama quentinha. Partimos para Milão e de lá para Bolonha.
Durante a viagem um pouco de conversa fiada com Janusz e Dondon, um pouco de História Romana com Padre Beppe, e entre risos e silêncios as horas da viagem não se tornavam tão lentas. A chegada à Bolonha foi tranqüila... taxi, comunidade dehoniana, novo quarto e almoço. Da janela do meu quarto eu tinha uma visão bonita do jardim e do bosque, com cheiro de primavera e cantos de passarinhos. Vieram alguns pensamentos sobre a minha vida. Sinto que preciso ser mais leve comigo mesmo, mas ao mesmo tempo mais seguro e determinado. Esta Semana de Páscoa estava só começando e não imaginava a surpresa que estava reservada para mim... Bom, deixemos isso para um outro dia. Afinal ainda estou vivendo a Páscoa do Senhor.