Seguidores

sábado, 19 de junho de 2010

Studiare*

Hoje passei o dia estudando no meu quarto. De repente, comecei conjugar o verbo studiare e não agüentei, comecei a chorar. Não sei se por emoção, saudade, solidão, medo. Acho que por uma mistura de tudo pois estou sentindo na pele o que é ser estrangeiro. Não que esteja sofrendo por morar em terras distantes, mas a solidão é capaz de colocar uma espessa camada de nuvem nos belos vales de Perugia; é capaz ainda de nos fazer olhar pela janela e encontrar uma parede antiga de pedra e não perceber que até ali há pássaros buscando a liberdade.
São seis horas da tarde, os sinos já tocaram lembrando que a noite está começando, mas aqui o sol vai embora mesmo só depois das nove e meia. Uma música bonita entra pelo meu quarto, é o som de uma gaita tocada por um músico de rua bem debaixo da minha janela. Como Deus é bom comigo. E o que eu tenho a fazer é estudar italiano, por isso passei o dia com os livros e a gramática. Meu Deus, porque o mundo não fala português?
Hoje faz exatamente vinte dias que cheguei na Itália. A língua já está fácil no ouvido mas difícil na boca. Entender o italiano é um exercício interessante, pois falam com as mãos, com os olhos, com a cadência das palavras que a todo o momento parecem estar brigando. Eu também queria falar com as mãos, com os olhos, queria brigar em italiano mas acabo só expressando palavras uníssonas, repetidas, mal faladas. Acabo brigando comigo mesmo. Por que as palavras não chegam na hora certa?
Mas estou indo bem, sei me comportar no refeitório, que carinhosamente apelidei de “Ristorante Babel”, podem acreditar, é possível num único almoço eu conversar na mesa com Coreanos vindos do Sul e por isso não se pode tocar na Coréia do Norte, imaginem, o primeiro jogo do Brasil na Copa foi com a Coréia do Norte e assim não tínhamos muito diálogo. Mas, também posso falar com indianos, que balançam a cabeça sempre com o sinal negativo mas para eles quer dizer que está positivo; converso com um indonesiano, muito simpático e prestativo, fala comigo num italiano sofrível e eu, claro, respondo também sofrivelmente. Mas tem um polaco que insiste em conversar comigo em inglês. Eu já disse as duas frases que sei falar em inglês: I don’t speak english, e, the book on the table. Mas ele é insistente e me conta histórias, faz perguntas, pede informações, conta piada e eu fico olhando pra ele e pensado, será que joguei pedra na cruz?
Bom, sem contar a governanta da casa que se chama Paola. Como se diz no Maranhão: pense numa pessoa agitada.... Ela nos serve durante as refeições. Sempre o primo piato con pasta, troppo pasta, doppo o secundo piato con maiale, pollo, pesce e insalata. Mama mia, qui se mangia bene. As vezes vem arroz, que apesar dos italianos chamá-lo de riso, é realmente de chorar, ele vem frio, meio durinho e temperado como salada. Ah, que saudade do arroz do Brasil. De desert muitas frutas e em todas as refeições temos vino rosso e bianco e dois tipos de l’aqua, gasata e naturale.
Eu fico assim, entre um prato e outro, tentando entender o que estão falando, mas também fico pensando quem são, de onde vem, para onde vão.
Afinal, o que é a nossa vida senão um pequeno instante diante de toda a História Humana. O que somos se não estrangeiros nesta terra esperando o dia de voltar para o Criador. Sentimos saudades do Céu, eu sinto saudades de Parisi e enquanto isso, precisamos aprender a tirar das situações mais difíceis um pouco do amor que Deus insistentemente nos dá.
Como é bom ampliar nossa capacidade de observar o mundo e mergulhar profundamente nos mistérios humanos, sem medo de encontrar as coisas ruins que todos temos, mas com o coração aberto para receber o que de melhor as pessoas possuem.
Uma coisa é certa, o amor é fundamental em qualquer cultura. Em todo canto cabe a gentileza, a disponibilidade, o companheirismo, a cumplicidade, o perdão. Também em todo mundo as pessoas carregam os mesmos medos, as mesmas inseguranças e os mesmos sonhos. A humanidade é realmente uma coisa só, o transbordamento do amor de Deus.
Temos cores diferentes, mas o mesmo vermelho do sangue; temos olhos diferentes, mas o mesmo brilho do olhar; temos culturas diferentes, mas nos encontramos nos sonhos.
Tem uma criança agora chorando bem embaixo da minha janela, e o que me dá raiva não é o choro, mas é que ela fala tudo em italiano, e eu...
Bom, está na hora de ir para a adoração e oração das vésperas. O sino já tocou de novo. O meu coração ficou mais calmo. Preciso rezar e voltar ao verbo studiare.
Arrivederci.


(Io Studio, tu studi, lui/lei/Lei studia, noi studiamo, voi studiate, loro studiano)