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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Feliz Clara Luz - Ciau Chiara!

Neste fim de semana, Roma foi invadida por uma luz diferente que conseguiu iluminar muitos corações, principalmente dos jovens.
Eu, que já não me enquadro mais nesta categoria etária, também tive o meu coração iluminado por uma Clara Luz, que fez passar pela minha cabeça toda a minha história de trabalho, sonho e esperança com os jovens.
Era sábado, quase nove da noite, a Praça de São Pedro estava com uma movimentação fora do comum para aquele horário, afinal os turistas que ao longo do dia haviam rezado na Basílica, junto ao túmulo de São Pedro, provavelmente agora estavam tomando um gelato na Fontana di Trevi, ou conversavam sentados na bela escadaria da Piazza di Spagna ou, quem sabe, divertiam-se com os artistas de rua, que sempre dão um show de criatividade, na Piazza Navona, que além de ser uma das praças mais bonitas de Roma, ainda tem uma grande bandeira do Brasil, por causa da embaixada brasileira.
Mas a Praça de São Pedro não costuma ser um lugar movimentado à noite, o Papa precisa de um pouco de silêncio para o seu descanso noturno. Precisa repousar para enfrentar o lavoro do dia seguinte. E Roma oferece outros lugares agradáveis para os turistas visitarem, longe do Papa e de São Pedro.
O que então fazia tanta gente com os passos apressados, vozes alteradas, andando em grupos, com convites nas mãos e um brilho radiante no olhar? O que faziam ali tantos jovens com a alegria espontânea e sincera, querendo participar deste momento único?
Assim, com tantas perguntas na cabeça e com tanta alegria na alma, fui chegando em meio aquela gente. Acompanhava-me alguns confrades, que tenho a certeza, também ficaram envolvidos com aquela agitação.
A Luz vinha da Sala Paulo VI, mas como estava completamente lotada, iluminava todos nós que não entramos, mas assistíamos maravilhados a celebração em forma de homenagem, através dos grandes telões espalhados pela praça.
Havia uma confusão típica das grandes aglomerações, mas aos poucos alguns foram ocupando as cadeiras, outros sentando no chão, outros ainda andando entre as pessoas e observando, em silêncio, tudo o que estava acontecendo e que não cabia apenas com um olhar.
Nós escolhemos um telão próximo e ficamos ali, conhecendo um pouco a vida de Chiara Badano. Uma jovem que morreu aos 19 anos de um tumor maligno, mais precisamente no dia 07 de outubro de 1990.
Só mesmo a fé pode encontrar alegria onde reina a tristeza. Só a fé pode ajudar a encontrar esperança na morte. Só Jesus pode nos dar luz mesmo em meio às trevas.
Assim foram passando as horas. De repente a lua não conseguiu mais iluminar as antigas colunas do Vaticano e uma nuvem densa encobriu toda a praça. Chegaram junto com ela o frio e uma grossa garoa. Mas também chegaram algumas pequenas velas que aos poucos foram distribuídas a todos. Alguém teve a idéia de levar um pouco de luz e em pouco tempo a praça estava toda iluminada com as luzes de nossas velas. A celebração continuava.
Ouvimos os cantos, assistimos as danças, entendemos a vida de Chiara e porque Igreja a tinha declarado Beata, isto é, Feliz. Modelo de fé e de amor a Jesus e ao Reino.
Fui entendendo o porquê ela recebeu esse segundo nome Luce, e como ela se transformou em um farol que naquela noite iluminava milhares de jovens, e que tem potencial para iluminar outros tantos.
Também estavam presentes os pais de Chiara. Emoção e realidade, esta jovem Beata existe mesmo e viveu entre nós.
Sua mãe nos contou sobre a filha e disse que Chiara sofreu muito com a sua doença. Quantos estão sofrendo ainda hoje, pensei. E nos contou ainda sobre os últimos momentos de Chiara Luce.
Antes de falecer ela disse: “Mamma, sii felice perché io lo sono. Ciau.” (Mãe, seja feliz, porque eu sou feliz! Até logo!).
Aí eu entendi o porquê da quantidade de jovens naquela praça. Eu entendi o que eu estava fazendo ali também. Era a busca da felicidade eterna, é a certeza de que só Deus pode dar sentido à nossa vida. É a garantia de que vale a pena trabalhar por um mundo melhor e nos unir a Jesus Abandonado, mas também saber ser feliz nas pequenas coisas da vida.
Começou uma chuva forte e fria, as velas foram se apagando, a multidão se dispersando, mas a luz continuava a iluminar. Agora penso que o Papa já pode descansar sem tanto barulho. E eu posso ir pra casa, molhado e iluminado.
Obrigado Beata Chiara Luce.



Obs: http://www.youtube.com/watch?v=25yMMNq_Vlk

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quarenta

A vida sob o olhar de um menino

Hoje eu acordei muito cedo.
Mesmo que os meus olhos insistissem em permanecer fechados, olhando as últimas cenas dos sonhos da noite, eu precisava levantar. Fui assim para o chuveiro, meio dormindo e meio dormindo, cambaleando entre o real e o imaginário, trombando contra as paredes, como um boêmio que volta da noite. Banho, água, vida, manhã, relógio...
O dia que havia se ausentado, deixando lugar à noite, voltava todo sonolento, parecendo que não queria chegar. Eu, no entanto, descia as escadas apressadamente e caminhava pelos corredores infindáveis do meu pensamento, dirigindo-me à capela.
A mesa estava pronta, o livro aberto, o vinho no cálice e o pão na patena esperavam o momento da consagração. Era o Senhor que também despertava e vinha fazer o caminho comigo. Fica conosco Senhor, o dia já está chegando.
Assim começou o dia de hoje. O dia que carinhosamente chamei de “quarenta”. Confesso, à boca miúda, que o esperava sem pressa, mas sabia que uma hora ou outra ele acordaria e entraria no meu quarto, abriria os meus olhos e me levaria para longe dos meus sonhos. Só não sabia que ele me prepararia surpresas, que viria com emoções fortes como o medo, o choro, a fé, a saudade e novamente os sonhos de menino.

Assim chega a vida...

Eu recordo com muita alegria a minha vida. Sou de um lugar pequeno e escondido. Protegido ainda de tantas coisas que o mundo moderno oferece, e, por isso mesmo, continua sendo muito especial para mim.
Lembro-me da antiga casa. De cada cômodo com os seus móveis velhos carregados de histórias. Meu Deus, quantas coisas vivi nesta casa. Recordo-me que uma vez eu me deitei no chão vermelho brilhante, depois de horas passando o escovão, e pensei, puxa vida, que casa linda. E como era bonita mesmo. O meu olhar de criança feliz não deixava nenhuma dúvida de que ali era o coração do mundo. Eu tinha tanta certeza que a felicidade era presente que não fazia questão de esconder.
Hoje, olhando para essa cena, eu sinto quão frágil era a minha realidade e como eu crescia num ambiente privilegiado. Parecia que eu era protegido por uma redoma de vidro e nada de mal me atingia. E realmente eu era.
Como sou grato aos meus pais por isso. Imagino como eles se desdobraram para me educar, para me fazer feliz, para que eu acreditasse que tudo era fácil. E hoje eu sei não era. Sei que a vida é feita de lutas diárias, de renuncias, de fazer algo mesmo quando não se quer, mas sei também que é preciso tempo para sonhar como um menino.
Eu aprendi isso com os meus pais.
Aprendi por exemplo que o ano se divide em três grandes momentos: o Natal, a Páscoa e o meu aniversário. Até hoje eu divido o ano assim. Primeiro se espera o Natal, com seus presentes, roupas novas, festas em família, parentes de longe que chegam,árvores de natal, presépio, missa. Depois se espera a Páscoa, chocolate, roupa nova, quaresma com sua cor penitencial, parentes de longe que chegam, festas em família, procissões, Verônicas, missas. E aí inicia uma longa espera pelo aniversário, mas aos poucos ele vai chegando e, quando menos se espera, é o grande dia. Presentes, bolo, amigos, festa em família.
Meu Deus, como fui feliz. Que graça de Deus ter a infância que eu tive. Que graça de Deus ter a família que tenho. Meu Deus, como sou feliz.
Hoje sou o mesmo menino, que continua sonhando, mesmo que, como aconteceu agora, o dia se canse novamente e deixa o seu posto para que a noite chegue. Eu também quero ser assim. Viver bem o espaço de tempo que Deus me reservou e no fim, quando precisar deixar o posto para outro, sair de mansinho, em paz e deixando escapar pelo canto da boca entre sorrisos, obrigado por tudo, obrigado.

Roma, 17 de setembro de 2010