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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Quantas pessoas levamos para o Paraíso?

Precisamos falar sobre a vida. Não adianta passar pelos dias sem fazer uma reflexão profunda sobre os nossos atos cotidianos. A trama dos relacionamentos, por vezes tão mal feita e complicada, acaba por direcionar nossas escolhas e assim determinar nossa felicidade ou nossa tristeza.
Quantas vezes ao longo do dia fazemos o exercício do encontro e do confronto? Quantas vezes nos desviamos das pessoas que não nos agradam e acabamos por delimitar nossas experiências? Quantas vezes nos tornamos escravos de nossos próprios preconceitos e não nos aventuramos nos mistérios humanos e perdemos a capacidade de respeitar a liberdade de cada um?
São interessantes nossas escolhas, pois geralmente queremos alguém parecido conosco ou então que nos escute e nos admire, e esquecemos que a grande riqueza está justamente na diferença. A liberdade está na sua capacidade de aproximar-se das pessoas sem querer compará-las consigo mesmo, sem medo do diferente, sem preocupação em mudar ninguém. A liberdade está no exercício do confronto. Estar com o novo é descobrir realmente quem você é. E, de repente, corremos o risco de encontrar alguém mais resolvido do que nós, de encontrar alguém mais feliz ou, quem sabe, com mais verdades sobre a vida. E aí? O que fazer com esse problema?
Por isso a importância de se aventurar pelos mistérios humanos, deixar se envolver com o outro, de ser amigo, confidente, curioso, solidário, tudo isso nos deixa mais confiantes. Cada um tem a capacidade de carregar uma verdade sobre Deus, que nos fez todos, e é bom que não nos esqueçamos disso, a sua imagem e semelhança.
Nada melhor do que se espelhar em Jesus Cristo. Nos encontros e confrontos que constantemente Ele fazia. Quem era aquela mulher caída no chão, com o rosto no pó, ferida, humilhada, prestes a ser agredida em nome da justiça dos homens? Quais eram os riscos de se aproximarem dela? O que ela poderia nos oferecer? Quantas já encontramos assim.
No entanto Ele aproximou-se, salvou-a e pediu: não peques mais. Será que precisamos sempre julgar o outro antes de nos aproximarmos dele? Será que precisamos sempre ter pedras nas mãos para jogar no diferente, naquele que nos disseram para não nos aproximarmos porque não prestava? Será que não perdemos a oportunidade de fazer um novo amigo e de dar a ele a oportunidade de ter uma mão amiga para levantá-lo do pó? Ou quem sabe nós recebermos essa mão amiga. Perdemos tempo demais e oportunidades demais.
Quais foram os crimes daquele que estava crucificado ao lado do Cristo? Quantas pessoas ele enganou? De quantas tirou vantagens ou chantageou? Mas ele conseguiu encontrar uma mão amiga, justamente naquele que tinha as duas presas em uma cruz. Ainda hoje estarás comigo no Paraíso, disse Jesus. Quem levamos para o nosso paraíso? Quem são os escolhidos? Será que não somos seletivos demais? O problema é que usamos os critérios de nossa cabeça, que sabe tudo e possui a verdade plena. Falta-nos humildade e predisposição para o outro.
Quem realmente eu sou? Essa pergunta muitas vezes me desconcerta. Sou o que os outros vêem ou aquele que fica deitado na cama com insônia porquê não consegue lidar com seus próprios medos.
É sempre bom lembrar que a vida é passageira. É bom lembrar que a beleza está em justamente nos deliciarmos com as oportunidades que ela n os oferece, brindarmos com as pessoas as nossas conquistas, chorarmos nossas tristezas e insucessos. Isso pode ajudar a desvendar os mistérios dos relacionamentos.
Na ascensão, os discípulos ficaram olhando para o céu, talvez tentando absorver a grandiosidade daquele momento, mas também podiam estar envolvidos demais com suas dúvidas, e, com isso, levaram uma chamada de atenção: O que fazem aqui olhando para o céu?
O que nós fazemos aqui olhando para nós mesmos e nos fazendo de parâmetro para as demais pessoas? Quanto tempo já perdemos envolvidos em nossas próprias razões? Quantos amigos deixamos de conhecer pois não conseguiram escalar o muro que construímos ou não passaram nos testes que aplicamos.
A liberdade sempre nos enche de emoções e deixa a vida mais dinâmica.
Pense nisso.

A cor do barro e o hálito de Deus

Temos por certo muito de barro correndo em nossas veias. Somos pó. Um boneco modelado pelas mãos de Deus que, resolvendo brincar com argila do solo formou o ser humano e colocou em seu nariz o sopro da vida (cf. Gn 2,7a). Deu ao boneco de barro aquilo que tinha de mais íntimo, o seu hálito, sua sabedoria, seu amor. Assim fomos criados, do barro da terra e do sopro de Deus. Mas muitas vezes, somos mais pó, perdemos a alma divina, a ânima e acabamos desanimados, feridos, com medo e cheios de maldade.
Adquirimos o desejo de ferir quem está ao nosso lado mesmo sabendo que somos irmãos, que precisamos de ajuda para nascer, crescer e morrer. Deixamos de ser solidários e passamos a ser solitários, o que nos faz ainda piores pois perdemos a capacidade de nos preocupar com o outro, e com isso damos um salto profundo no abismo do sofrimento.
Não aprendemos a dar a outra face quando nos batem; não aprendemos a levar para hospedaria o desconhecido que está caído e ferido no caminho, perder tempo e dinheiro com ele; não aprendemos a perdoar setenta vezes sete e temos sempre uma pedra na mão prestes a ser lançada, não importando qual foi o pecado e muito menos quem é o pecador; corremos o risco de voltar a ser barro e nos transformamos novamente num ser inanimado, um boneco frágil e desanimado, isto é, sem o hálito de Deus.
Mas há sempre esperança e temos ainda o sopro dentro de nós, correndo pelas nossas veias, misturado ao nosso sangue, aos nossos sonhos, às nossas fraquezas. Temos o cristianismo que ajuda a humanidade a encontrar o seu caminho original, perdido ao longo dos séculos e dos desejos terrenos. Somos amados por Deus e disso não temos dúvidas, apesar de todo o sofrimento que passamos ou que causamos. Mas precisamos amar, acolher, ser ternos, pacientes. Precisamos fazer um encontro pessoal e intransferível com o Cristo. Só Ele pode nos garantir o equilíbrio entre o barro e o hálito, entre a carne e o espírito, entre a terra e céu.
Vivemos neste intenso conflito: queremos melhorar sempre, mas caímos sempre. Deparamo-nos nus diante do Criador e isso não deveria nos fazer mal, deveria sim nos fazer bem, mostrar quem somos, a cor do barro que modela nosso corpo, o cheiro do hálito que vem da boca do Criador, nossas fragilidades provindas do pó e nossas vontades inspiradas do Amor. Mas temos vergonha, somos pecadores demais. Voltamos a ser bonecos de argila do solo e cheios de medo falamos como Eva: “A serpente me seduziu e eu comi” (Gn 3,13b).
Somos o sonho de Deus, fomos transbordados em Seu coração, e, se ainda existimos é porque Ele não se cansou de nós, é paciente e misericordioso. Só precisamos acreditar no seu amor e dar uma chance para nós mesmos. Nós podemos melhorar, podemos consertar o que precisa de reparos, temos condições para isso. Só é preciso deixar Deus modelar novamente o que em nós está trincado, é preciso restaurar o coração e a alma. A humanidade precisa assumir sua cor frágil e deixar que o hálito de Deus a inspire nos cuidados deste mundo.
Quem sabe assim podemos assumir novamente a missão que nos foi confiada: “Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e o guardar”. (Gn 2,15)

Somos um pouco de azul misturado com vermelho

Iniciamos com a quarta-feira de cinzas o grande retiro quaresmal. Temos um itinerário a seguir: cobrimo-nos de cinzas e fomos lembrados que precisamos nos converter e crer no Evangelho, e descobrimos que a quaresma se faz com oração, esmola e jejum.
É interessante pensar que com estas três dimensões encontramos a Ressurreição e a Vida logo na aurora do Domingo de Páscoa.
A oração nos remete a Deus. É uma linha vertical. Estamos ligados ao céu. Aliás, não podemos esquecer que a cor da quaresma é o roxo. Uma cor que não é primária e que precisa de duas outras para formá-la: o azul e o vermelho. A oração é azul! Faz-nos pessoas melhores e nos enche de esperança, ficamos fortalecidos. Mas a oração também precisa de realidade, de pés no chão. O próprio Jesus nos ensinou a rezar e não se esqueceu de chamar Deus de Pai, querendo dizer que somos irmãos, herdeiros do mesmo reino e por isso solidários; não se esqueceu do nosso pão cotidiano, lembrando-nos que a vida se faz com mesa farta e com partilha, para todos; e não se esqueceu do perdão. Ah, o perdão, tão falado, tão desejado e tão esperado por todos. Como é que falamos do céu com tantas coisas terrenas? Como entramos em contato com o Divino levando tanto da nossa Humanidade?
Mas, voltando ao roxo, além do azul também é preciso o vermelho. É a linha horizontal. Disfarçado e misturado com o azul celeste, o vermelho sangue ou vermelho terra em algumas regiões, se dilui num tom mais brando. Assim também aconteceu quando nós nos juntamos com Deus. Tornamo-nos mais suaves, mais ternos, mais amenos. Mas não deixamos de ser quem somos, não deixamos que o sangue que corre em nossas veias se coagulem. É preciso correr, circular, movimentar os órgãos e a energia vital de nosso corpo. Assim também acontece com a esmola e com o jejum.
A caridade nos remete ao próximo (Pai-Nosso). Somos todos filhos do mesmo Pai e nos reconhecemos todos como pó, lembrando que um dia ao pó voltaremos. A solidariedade faz parte da nossa divinização e é peça chave para o caminho do Céu. “Se caminhar é preciso”, já dizia um antigo hino, “caminharemos unidos”. De mãos dadas e corações unidos chegaremos ao Paraíso perdido. Mas não podemos sucumbir à tentação de buscar o Paraíso sozinhos. É preciso do outro fazendo estrada conosco, mesmo que o outro seja a pedra do nosso caminho. Aliás, não se constroem uma boa estrada sem boas pedras.
É preciso relevar muitas coisas, passar por cima de outras, perdoar algumas e caminhar, de mãos dadas. E quando a caridade se torna difícil, recorremos ao perdão e à oração. O sangue vermelho, o barro do chão pede ajuda ao azul do céu. Somos roxos, como as quaresmeiras dos interiores de Minas, como os santos cobertos de cetim das cidades antigas do Vale do Paraíba, em São Paulo, como as estolas sacerdotais espalhadas por todo o mundo nas celebrações eucarísticas. Roxos.
E quando juntamos a oração com a ação, somos convidados ao jejum, afinal é preciso cuidar de nós mesmos. Não podemos correr o risco de enfraquecer e deixar que o Antigo Inimigo venha nos tentar: “Está com fome? Transforme esta pedra em pão. Quer poder? Escolha um reino que eu te darei. Está feliz e seguro de si? Pule deste monte e não morrerás....” O jejum nos fortalece, nos faz gigantes para enfrentar o diabo, e cheios de coragem conseguiremos dizer como Jesus: “Nem só de pão vive o homem; Adorarás só a Deus; Não tentarás o Senhor teu Deus”.
Não percamos tempo, preparemos nosso coração para este tempo de graça e salvação. E, assim, restaurados pela quaresma, chegaremos à Vida, não mais vestidos de roxo, mas transfigurados, brancos como a visão que Pedro, Tiago e João tiveram no Tabor.
“O Senhor ressurgiu, aleluia!” Vamos cantar aliviados e cheios de alegria.